domingo, 29 de março de 2009

palavras

as palavras são o que são: "palavras leva-as o vento", diz a sabedoria popular...

mas as palavras podem magoar alguém de quem muito gostamos, ainda que essas palavras resultem da incapacidade de se deixar ser amado. No momento em que as lanço ao vento, cego os sentimentos, bloqueio os meus afectos, puno-me por dôres que já nem a razão mas lembra.

tenhamos, então, muito cuidado com as palavras...O vento é o que é: movimento permanente que não nos deixa que elas caiam no olvido.

quarta-feira, 18 de março de 2009

momentos da minha infancia

criança carente
criança traquina, aventureira
criança insegura
coroas de folhas vermelho-amareladas, apanhadas no jardim dos Anjos
no Outono

cheiro de tinta, de giz, de papel: cadernos novos à espera de palavras escritas com letra bem desenhada (escola primária nº27). Na parede figurinhas que contam histórias pela voz da professora D.Laura (encantamento).

Férias em casa de meus avós em Santiago de Riba Ul: moinho de água. Envolvo-me na farinha, rodopio de brancura.
É irresistivel o mergulho nas águas límpidas do rio. Gargalho a minha criança.

Puxão de orelhas da tia solteirona.
Pequeno almoço com o rebanho de primos. Risos, alegria...tia solteirona vai-me buscar e puxando-me a orelha leva-me pela estrada, pela ponte, até à casa de meus avós "uma menina bem comportada não sai de casa sem dizer nada!... Esta canalha parece que tem o diabo no corpo" (tradução de canalha: miúdos pequenos).

A minha irmã vem do colégio - gosto dela.

Almoço: prato cheio "tens de comer tudo, estás muito magrinha" (Que tortura!...)

Bolinha de pão quente do forno da minha avó Margarida, feita só para mim.
Mungir das vacas. Bebo o leite morno e doce -é bom.
Passeios de barco com os meus primos. Margens misteriosas. Amoras colhidas e logo saboreadas. O seu sumo escorre-me da boca, suja-me o vestido - estou feliz.

manela, digo, nelinha

terça-feira, 17 de março de 2009

talvez renascer

Este tumulto no meu corpo
que não pára
Esta luta entre não ser, sendo
que não pára
Este quotidiano de paz podre
que me equilibra
Esta ansiedade de ser, não sendo.

O corpo oscila e rodopia na fúria da tempestade
As amarras esticam em tensão, que dói
AH! Se a corda cede e eu naufrago...
O pêndulo agita-se louco sobre a minha cabeça
Vem podre paz. Podre, mas vem!
Aquieta-me esta agitação que me sacode

A corda está por um fio...
Um útero, uma mão agarra-me.
Um marulhar envolve-me.
Nado num mar que não é o de minha mãe

Desenrolo-me lentamente
Estico-me com muita força
Uns braços recebem-me plenos de sangue, sal e mel.

Primeiro ténue vagido
Depois grito de luta
Quiçá, agora possa ser, sendo...

Manuela Almeida, 2005